ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) é a sigla utilizada para designar o tributo que a Constituição Federal, em seu artigo 155, II, define como decorrência de “operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior”.
Em adição ao texto Constitucional, a Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1997, conhecida por muitos como “Lei Kandir”, em seu artigo 2º, I, dispõe que “O imposto incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares”.
É nesse contexto que se insere o caso da energia elétrica, que, apesar de não ser um bem corpóreo, se insere no conceito de mercadoria delimitado pelo Supremo Tribunal Federal – STF por ocasião do julgamento, em plenário, da Ação Rescisória nº 1.607/MS, ocasião em que o então Ministro Eros Grau, em seu voto, ponderou que a energia elétrica “é objeto de comércio; é mercadoria, bem apropriável pelo homem, bem no mercado, inclusive para fins tributários”.
Ao se observar qualquer fatura de energia elétrica, é possível constatar que o valor final do fornecimento é composto por “energia” (tarifa de energia elétrica), “transmissão” (repasse de custos com o sistema de transmissão), “distribuição” (repasse de custos com o sistema de transmissão), “perdas”, “encargos” e “tributos” (indiretos, incidentes em outra etapa da cadeia produtiva e repassados ao consumidor final).
Os termos da Resolução Homologatória nº 1.617, de 17 de setembro de 2013, elaborada pela Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL, deixam claro que a tarifa final de energia elétrica tem, portanto, em sua composição, a TUSD (Tarifa de uso do sistema de distribuição) e a TUST (Tarifa de uso do sistema de transmissão), uma vez que, em seu artigo 15, § 6º, dispõe que “É assegurado aos fornecedores e respectivos consumidores livre acesso aos sistemas de distribuição e transmissão de concessionário e permissionário de serviço público, mediante ressarcimento do custo de transporte envolvido, calculado com base em critérios fixados pelo poder concedente”.
Porém, ao contrário do que possa parecer, o fato de serem devidas tarifas sobre o uso de sistemas públicos de distribuição e transmissão de energia elétrica não quer dizer que o valor de tais tarifas deva compor a base de cálculo do ICMS.
Isso ocorre porque, conforme mencionado acima, o artigo 2º, da Lei Complementar nº 87, de 13 de setembro de 1997, dispõe que, dentre outras hipóteses “o imposto incide sobre operações relativas à circulação de mercadorias”, conceito no qual se insere a Tarifa de Energia Elétrica (proporcional ao efetivo consumo no ambiente doméstico ou corporativo do contribuinte), mas do qual se excluem as tarifas de uso do sistema de distribuição ou transmissão.
Em outras palavras, é correto afirmar que as tarifas de uso do sistema de distribuição e transmissão são meros reembolsos destinados ao custeio e manutenção dos sistemas que garantem que a energia fornecida chegue ao ponto de entrega (residência ou estabelecimento consumidor) e, por isso, não se enquadram nos conceitos legais de mercadoria, serviços de comunicação ou transporte interestadual, decorrendo daí a conclusão de que, não se enquadrando tais tarifas aos conceitos mencionados, é ilegal que o ICMS incida sobre seus valores.
A ausência de enquadramento de tais tarifas nos conceitos que permitem a incidência do ICMS é entendimento do qual partilha a ANEEL, em sua Resolução nº 414/2010, da qual se destacam os artigos 14 e 15, que dispõe que “O ponto de entrega é a conexão do sistema elétrico da distribuidora e situa-se no limite da via pública com a propriedade onde esteja localizada a unidade consumidora…” e que “A distribuidora deve adotar todas as providências com vistas a viabilizar o fornecimento, operar e manter o seu sistema elétrico até o ponto de entrega, caracterizado como o limite de sua responsabilidade, observadas as condições estabelecidas na legislação e regulamentos aplicáveis”.
A análise conjunta desses dispositivos culmina na conclusão de que só há prestação de serviço nas operações que se relacionam com relação às tarifas de efetivo consumo de energia elétrica apenas, operação que só se pode considerar realizada a partir do momento em que o fornecimento da energia ultrapassa o ponto de entrega, efetivamente ingressando na unidade consumidora (em termos mais simples, a partir do momento em que efetivamente se acende a luz).
Todo o custo com sistemas de transmissão e distribuição, justamente por se tratar de infraestrutura necessária à prestação do serviço, é de responsabilidade do fornecedor, e, independentemente de estar incluída na tarifa final de energia elétrica, não é serviço nem transporte, de modo que não pode compor a base de cálculo do ICMS.
Levando tal situação em consideração, o Superior Tribunal de Justiça, em suas 1ª e 2ª Turmas, respectivamente, decidiu que “O ICMS sobre energia elétrica tem como fato gerador a circulação da mercadoria, e não do serviço de transporte de transmissão e distribuição de energia elétrica. Desse modo, incide a Súmula 166/STJ (‘Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento’)” (Recurso Especial nº 1.267.162/MG) e que “É entendimento pacifico desta Corte Superior que não fazem parte da base de cálculo do ICMS a TUST (Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica) e a TUSD (Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica)” (Recurso Especial nº 1.408.485/SC).
A sedimentação de tal entendimento no âmbito do Superior Tribunal de Justiça denota a existência de um direito que possuem todas as pessoas, físicas ou jurídicas, que, nos últimos cinco anos, pagaram tarifas de energia elétrica com base de cálculo que incluía a TUST e a TUSD.
Tal inclusão indevida dessas tarifas na base de cálculo do ICMS implicam em significativa majoração da base de cálculo e, consequentemente, em significativa majoração dos valores a pagar, o que, por seu turno, implica na existência de significativos valores a restituir.
Portanto, pessoas físicas e jurídicas que, por suas atividades, arcam com elevadas tarifas de energia elétrica, devem ficar atentas para a composição da tarifa final que aparece detalhada na conta enviada mensalmente ao endereço da unidade consumidora, de modo a obter restituição das parcelas de ICMS que foram pagas indevidamente nos últimos cinco anos, acrescidas de juros e atualização monetária, bem como de garantir que, futuramente, o abuso na edificação da base de cálculo do ICMS passe a ser coibido pelo Poder Judiciário.